Wanda Guimarães, deputada do Grupo Parlamentar do Partido
Socialista, utilizou no passado dia 29 de maio os 10 minutos que o Regimento da
Assembleia da República (AR) proporciona ao abrigo do seu artigo 76, a cada
deputado/a em cada sessão legislativa, em assunto da sua escolha exclusiva.
Não cabe neste espaço, como é evidente, a edição completa
desta intervenção, que aliás pode ser seguida no YOUTUBE ou através das páginas
da AR, mas não resistimos a publicar algumas passagens.
Começou assim a sua intervenção, em plenário: “Esta é a única forma expedita de me dirigir a todos, não que
tenha a pretensão de ensinar alguma coisa a alguém. Isso é quando se é muito
novo. Quando se tem a minha idade percebe-se, pelo contrário, que temos ainda
muito que aprender.
Esta foi a primeira
lição da minha novíssima experiência parlamentar. E é sobre essa experiência
que vos quero falar”.
Depois de alguns elogios que considerou merecidos,
nomeadamente, ao Partido Socialista, ao Presidente da AR e ao líder do Grupo
Parlamentar do Partido Socialista, sublinhou a importância para a “nobre função parlamentar” do
conhecimento do mundo do trabalho e da riqueza que as funções sindicais proporcionam
no seu desempenho, e focou-se no problema do envelhecimento, não fugindo à
questão tão actual das ideologias.
“… faz-me impressão a “normalidade” partilhada
com que cada um de nós exerce o seu mandato sem muitas vezes interiorizarmos a
nobreza da função que recebemos. Mas também o seu peso. Falo por mim. Quando me
apercebi que estava a desenvolver o meu trabalho, como sempre me esforço de
fazer, e que me “esquecia” nesse
desenvolvimento da natureza única destas funções, tenho tentado que o quotidiano
parlamentar me afaste da possível leveza no
meu desempenho e seja impregnado desta belíssima responsabilidade de
representar as pessoas”.
“… Vamo-nos deixar de
hipocrisias. Todos temos uma ideologia (e ainda bem) porque todos defendemos
uma determinada concepção de sociedade, e todos hierarquizamos, embora de forma
diferente (e ainda bem), convicções e valores. Mesmo os que apregoam a sua
repugnância pelas ideologias mais não estão do que a defender a sua em
detrimento da dos outros! O meu único lamento é que não sejam
capazes de o afirmar com clareza porque a diferença será sempre um factor de
enriquecimento das sociedades.”
E a rematar sobre: “o
envelhecimento, ponto! Não activo nem passivo. A condição de sermos velhos. A
forma como nos relacionamos com os outros e a forma como os outros se
relacionam connosco, com o passar dos anos.
As inúmeras expressões
que nos identificam são reveladoras do mal-estar e do incómodo que continuamos
a causar na sociedade. Uma sociedade do já, em que tudo é mais ou menos
efémero. Em que as relações entre as pessoas são cada vez mais frágeis e
individualizadas até porque as pessoas se distanciam, pelo factor mobilidade ou
por qualquer outro. É preciso ser moderno a todo o custo. Diria moderninho. Um
mundo em que as marcas comerciais substituíram, em parte, os factores de
sedução. Aliás mais baratos e apelativos.
Não vejam neste
desabafo um azedume. Não é isso. Só que por vezes é muito cansativo e irritante
ser velho! Por exemplo: Em vez de nos
apelidarem de velhos que é o que nós somos, inventam um número disparatado de
epítetos: sénior, idoso (o pior), experiente, antigo e acrescentam “activo” ao
envelhecimento para verem se adoçam o conceito.
Não precisamos de nada
disto. Apenas que não nos discriminem e que não nos arranjem umas gaiolas mais
ou menos decentes onde nos depositam. Mas que nos incluam e nos
responsabilizem.
Pois bem esta foi uma
responsabilidade que assumi. Sou a pessoa mais velha da AR. De todos os
partidos e dos diferentes géneros. E sim, assumo, quis provar alguma coisa.
Pretendi, sobretudo,
demonstrar que uma pessoa velha, se enquadra e se integra num colectivo e que
sim … que o seu contributo é útil. E, aliás, dificilmente dispensável. Porque
ninguém consegue com eficácia dar o salto em frente de que a humanidade tanto
precisa se não compreender o passado e mais, se não souber com ele construir a
ponte necessária. Espero que o meu contributo também tenha constituído um
alerta nesse sentido”.
“ … Um pedido final:
Não ponhamos os velhos em guetos. Como fizemos anos a fio com as mulheres. Com
o falacioso argumento de um pretenso e especial habitat. Não. Somos todos
cidadãos do mundo e como cidadãos do mundo temos de nos misturar: origens,
raças, géneros, idades, ideologias e religiões.
Este é também o vosso
trabalho e este continuará também a ser o meu.
Muito obrigada”