Tem vindo a público, de forma
acentuada nos últimos meses, o tema da relação entre os dirigentes sindicais
socialistas e o Partido Socialista, realçando-se na oportunidade, pela voz do secretário
geral da UGT, o facto de, não obstante os diversos pedidos formulados, não ter
sido até hoje, recebido pelo Primeiro Ministro em exercício, o que provocará
mau estar na Central Sindical.
Convém, precisando o tema, que o
mau estar invocado, começou em momento anterior às últimas eleições
legislativas, quando se verificou que as listas apresentadas pelo Partido
Socialista não somente arredavam das mesmas um sindicalista até aí presente na
Assembleia da República como, nenhum ou nenhuma eram indicados em lugares
presumivelmente elegíveis para a AR.
A este propósito, foi enviada em
agosto de 2018, ao Secretário Geral do PS e à Vice-Secretária Geral uma carta
subscrita por alguns militantes e dirigentes socialistas, onde me incluo, na
qual era expressa, de forma acentuada, o nosso desencanto com a opção
assumida pelo Partido.
Posteriormente, numa reunião
convocada pelo Secretário Geral da Tendência Sindical Socialista, ainda antes
do ato eleitoral, foram prestados pelo Partido Socialista através da palavra da
então Secretária Geral Adjunta Ana Catarina Mendes e da Secretária para o
Trabalho e Economia Social Susana Ramos, os esclarecimentos sobre o tema, e,
pensávamos nós, face à forma como se desenrolou a reunião conduzida e concluída
pelo Secretário Geral da Tendência, tudo teria ficado resolvido.
Na intervenção que então tive a
oportunidade de fazer, realcei, entre outros aspetos, o facto de estarmos
perante um problema que somente existia, em virtude da ausência formal no
Partido Socialista da obrigatoriedade da participação de elementos
sindicalistas nas listas, o que deixa ao critério dos responsáveis de topo do
Partido, a inclusão ou não dos citados elementos. Por isso, o que fazia sentido
era começar-se a trabalhar no sentido de uma solução que resolvesse de vez a
questão, tornando obrigatório aquilo que é facultativo evitando-se, assim, situações como aquela que estávamos a viver,
resultante, alegadamente, de uma má relação entre o Secretário Geral do PS e o
Secretário Geral da UGT.
Decorreram as eleições e eis que,
o tema vem de novo a lume, suscitado pelo Secretário Geral da UGT e da TSS - Tendência
Sindical Socialista, Carlos Silva, com
uma oportunidade que não estará certamente alheia ao facto de se aproximar a
fase em que a TSS deverá indicar um candidato a Secretário Geral da UGT com o objetivo de ser eleito no congresso que se realizará no primeiro semestre de 2021.
Esta normal escolha, decorrente
não somente do estabelecido no n.º1 do artigo 54º dos estatutos da UGT que
limita o mandato do Secretário Geral a dois períodos consecutivos de quatro
anos, mas igualmente ao discurso sofrido e reiterado, desde a tomada de posse
até aos dias de hoje, de constituir para o Carlos Silva um elevado sacrifício,
o facto de ser o Secretário Geral da UGT, parece ter agora um volte face,
certamente à procura do estabelecido no n.º 2 do mesmo artigo, que autoriza um
novo mandato desde que o Congresso o aprove por uma maioria de 2/3.
No dia 19 de janeiro o Público
anuncia: “Carlos Silva alega falta de apoio do PS e anuncia saída da liderança
da UGT”, e em desenvolvimento: “não
quero continuar…já está decidido e a UGT sabe disso” precisando ainda na mesma entrevista: a
necessidade de todos fazerem esforços no sentido de preparar uma candidatura
“de um camarada” “da tendência sindical socialista da UGT”, que assuma em 2021
o comando da central.
O que é curioso
verificar, é que em nenhum momento das sucessivas declarações de Carlos Silva a
propósito do eventual mal-estar que o leva a não se recandidatar, ele refere a
limitação de mandatos expressa nos estatutos da UGT.
Mas, eis que, afinal, conforme
entrevista dada em 5 do corrente à SIC Noticias, haverá ainda uma janela de
oportunidade para continuar, se o primeiro-ministro receber a UGT.
Aqui chegados importa
perceber como este tema e a forma como foi trazido para a opinião pública tem,
em minha opinião, a única virtude de justificar um volte-face do atual
secretário geral da UGT, dando por não dito aquilo que, muito antes dos motivos
agora invocados, sempre referiu, quanto ao seu limite nos dois mandatos
estatutários, nomeadamente pelos sacrifícios pessoais e familiares que
representava a sua permanência à frente da UGT.
Tudo o que se tem
passado, fragiliza a UGT, dá desta uma imagem de ligações “perigosas”
partidárias, que não é, nem pode ser o apanágio da Central Sindical, resumindo
de forma caricatural o papel da UGT e do seu Secretário Geral ao facto de ser
ou não recebida pelo primeiro-ministro.
A UGT é muito mais que
isso.
Se entende que o
comportamento do Governo é inibidor do desenvolvimento da sua atividade
sindical, possui enquanto Central Sindical, naquilo que é a sua atividade em
prol do desenvolvimento do país e dos seus trabalhadores, armas mais poderosas
para empunhar do que aquelas que transparecem das palavras do seu Secretário
Geral.
Não pode, nem deve, é
deixar que uma questão partidária, supostamente iniciada no pleito entre os
anteriores candidatos a secretários gerais do PS, possa constituir, para
qualquer das partes, o motivo para este estado de coisas.
Os trabalhadores
portugueses precisam de uma UGT fora das clivagens internas do PS, precisam da
UGT com um Secretário Geral de corpo inteiro, que tenha uma paixão pelo que
desempenha e não um sacrifício
permanente, fazendo, por isso, da sua presença à frente da Central um objetivo
constante.
Os sindicalistas
socialistas precisam de, pelos meios ao seu dispor, criar as regras
necessárias, para, se for esse o desiderato, ter no futuro representantes seus
nas listas de deputados e, com isso,
regressar à A.R. nas listas do P.S., quem sente, porque trabalha, quais
são os verdadeiros problemas dos trabalhadores, procurando assim, naquele
local, as melhores soluções.
O Partido Socialista
precisa de entender a importância do mundo do trabalho e, com isso, dar o
devido valor a quem trabalhando por conta de outrem vivencia a natureza das
relações laborais, sentindo na pele, muitas vezes, a iniquidade presente no dia
a dia dos trabalhadores, longe dos gabinetes onde os cientistas sociais estudam
os números frios das estatísticas, fundamentais para o desenvolvimento das
macro políticas, mas insuficientes para responder ao arbítrio diário do quero,
posso e mando como são diariamente
confrontados, em muitos locais, os trabalhadores e trabalhadoras deste país.
Para isso é preciso que
haja, igualmente no PS, a humildade de
reconhecer o papel fundamental que o movimento sindical desempenha, quer
enquanto um dos pilares do sistema democrático, quer enquanto porta voz formal
das preocupações e anseios legítimos dos trabalhadores que representa.
Carlos Marques