sexta-feira, 14 de maio de 2021

Serão necessários os sindicatos?

 

O trabalho continua a ser o instrumento fundamental na realização pessoal e no reconhecimento social dos cidadãos.

Trabalho com dignidade constitui o alicerce para o desenvolvimento de sociedades mais coesas e solidárias no exercício pleno dos direitos de cidadania.

Os sindicatos adquiriram um papel fundamental, mesmo estruturante para o exercício da atividade laboral com dignidade. Isto não obstante a diferença que desde o início existe entre as instituições sindicais que marcam a sua ação para concorrer na disputa pelo poder político e aqueles que procuram, na contratualização, encontrar as melhores condições na prestação do trabalho.

Nos modelos de organização social, o trabalho constitui uma revolução ao atribuir ao valor intrínseco de cada pessoa o reconhecimento e valorização no seio da sociedade, ao invés desse reconhecimento por via da ascendência familiar, como acontecia anteriormente, ou o aproveitamento especulativo inerente à mercadorização e à financeirização em benefício de alguns, poucos, para a qual evoluem atualmente as sociedades, como pode ser observado, nomeadamente, pelo decréscimo do peso dos ordenados e salários no Produto Interno Bruto.

A progressiva desvalorização da contratação coletiva com a inerente fragilização dos sindicatos   tem efeitos diretos negativos no reconhecimento da importância do trabalho e, consequentemente, dos trabalhadores.

Neste quadro não é estranho que em 2018 cerca de 22% dos trabalhadores vençam o salário mínimo nacional, quando em 2001 essa percentagem era de 4%, e que o número de trabalhadores em estado de pobreza não pare de crescer.

Esta evolução, fonte de roturas sociais, é intolerável e extremamente preocupante pela importância que o trabalho possui na dignidade, valorização e reconhecimento individual.

Esta evolução decorre ao mesmo tempo que diminuiu a contratação coletiva de trabalho cuja correlação parece por demais evidente.

A própria Autoridade da Concorrência*, Instituição na qual o Estado delega competências, considera puníveis pela Lei da Concorrência “… os acordos entre empresas passíveis de concorrência no mercado de trabalho, nomeadamente (…) acordos de fixação de salários ou outras formas de remuneração de trabalhadores …” e aconselha, mais à frente, “… a eliminação deste tipo de acordos e a sensibilização dos trabalhadores e profissionais de recursos humanos, para o direito da concorrência”.

No fundo, visa assentar a concorrência na redução do custo do trabalho que sempre se alcança com a fragmentação individualizadora do trabalhador, para a qual, o uso generalizado do teletrabalho adquire um papel importante.

Contudo, o trabalho ou as relações de trabalho só poderão ter uma regulação e controlo efetivo, promovido pelo poder político, através da contratação coletiva de trabalho celebrado em meio laboral entre empregadores e os sindicatos, assentes no tendencial equilíbrio negocial das partes.

Urge, por tudo isto, reconhecer o papel fundamental dos sindicatos na negociação coletiva, eliminando quaisquer barreiras que sejam impeditivas da normal relação negocial entre sindicatos e empresas, ou grupo de empresas, não existindo nenhuma justificação, a não ser o objetivo da completa desregulação e liberalização do mercado de trabalho, para qualquer que seja o tipo de impedimento 

Pois, só assim se reconhece a dignidade dos cidadãos e se alcança o bem-estar social a que todos têm direito.

  

 * Ver, o Relatório da Autoridade da Concorrência 06/2021, em discussão pública, acessível em:

http://www.concorrencia.pt/vPT/Noticias_Eventos/Comunicados/Paginas/Comunicado_AdC_202106.aspx

 

 

António Santos Luiz e Carlos Marques 

domingo, 9 de maio de 2021

UMA ANÁLISE DESPRETENSIOSA SOBRE O PROJECTO DO PS - “Procede à regulamentação do teletrabalho”

 Não vou analisar os benefícios ou os malefícios do teletrabalho (seria muito mais longo), mas não acho admissível e acho até um bocado ridículo, não fosse perigoso, que de repente um conjunto informado de pessoas entenda que encontrou a solução milagrosa para os problemas laborais, tentando transformar todo o trabalho subordinado em teletrabalho, acrescentando precariedade e insegurança aos elevados níveis, de que lamentavelmente já dispomos em Portugal. Congratulo-me, por isso,  que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tenha decidido apresentar uma iniciativa legislativa sobre a matéria mas, infelizmente, o seu articulado está longe de poder ser considerado satisfatório e/ou adequado para fazer face aos desafios com os quais os trabalhadores/as em teletrabalho são diariamente confrontados.

Não vou tecer considerações sobre os perigos que, sem rebuço, patrões já anunciam como “coisa normal”. Mas compete-me enquanto cidadã,  antiga sindicalista, e acima de tudo socialista, tentar contribuir para uma solução mais justa e eficaz.

Muito poderia, infelizmente, comentar mas limitar-me-ei à análise dos pontos que considero mais negativos:

 1- Ao não incluir este diploma no Código do Trabalho os socialistas serão os responsáveis por abrir a porta à disseminação de legislação avulsa, dificultando o acesso das pessoas à informação como aconteceu durante toda a ditadura e mesmo durante 29 anos, em democracia,  até à primeira compilação das leis do trabalho em 2003. Mais, ao optarem politicamente pela sua exclusão, enfraquecem e subalternizam o seu conteúdo prejudicando aqueles que pretendem proteger.

 2 - O conteúdo passa a basear-se, fundamentalmente e nas questões mais sensíveis, numa relação solitária entre patrão e trabalhador, com uma boa parte da sua implementação remetida para a exposição de motivos (nem sequer existe um novo título, como por exemplo, regulamentação, a demarcar  devidamente o novo capítulo) e excluída, por conseguinte do articulado, isto é, sem qualquer valor jurídico.

 3 – Todos as despesas resultantes da realização do teletrabalho não são claramente da responsabilidade do empregador que se limita, não a pagar o acréscimo comprovado de custos, mas apenas a “compensar” o trabalhador Compensar como? O trabalhador tem custos acrescidos e o patrão pode compensá-lo em géneros, por exemplo? Não concordo com uma definição dos montantes que deve ser encontrada em convenção colectiva do sector ou da empresa,  mas o princípio tem que ser acautelado.

 4 – Põe-se em causa, por exemplo, o pagamento do subsídio de almoço quando um dos princípios alienáveis é o da igualdade de tratamento entre trabalhadores da empresa e trabalhadores em teletrabalho. Por favor, consultem o Code du Travail e o ANI (Accord National Interprofessionnel). Não é preciso inventar nada. O exemplo francês é uma boa base de trabalho.

 5 – A este propósito é francamente negativo que um trabalhador em teletrabalho só tenha que ir, obrigatoriamente, à empresa de dois em dois meses quando um dos princípios basilares de desenvolvimento profissional  e pessoal é, no mínimo a alternância, entre períodos curtos presenciais e em teletrabalho.

 6 – Inimaginável é o conteúdo do artigo “actividades proibidas”, abrindo a porta a actividades que nem os patrões  definem como teletrabalho, permitindo o manuseamento de substâncias perigosas desde que “em instalações certificadas para o efeito”! Lamentamos não estar num qualquer país nórdico mas conhecendo a realidade portuguesa, a falta de inspecções rigorosas, a falta de profissionais para as realizarem e, por vezes, a falta de vontade para multar os prevaricadores, ou para se atender em tempo útil as múltiplas queixas, é uma enorme irresponsabilidade cujos resultados podem ser mesmo trágicos.

 7 – O Direito de desligar não deve ser apenas dos trabalhadores em teletrabalho. Deve ser objecto de um diploma autónomo. Aliás, este assunto foi discutido na anterior legislatura e a posição do Partido Socialista era a de que se legislasse para o conjunto dos trabalhadores/as. Não faz qualquer sentido distinguir uma determinada categoria de trabalhadores quando existem abusos em inúmeros sectores, como, aliás,  é reconhecido.  

 8 – Para culminar: o artigo sobre a retribuição, quando preconiza que a retribuição possa ser total ou parcialmente determinada em função dos resultados da actividade ou do grau de realização de objectivos previamente acordados entre o trabalhador e o empregador. Isto é, num acordo a dois, longe da necessária protecção do trabalhador que sozinho tem de “negociar” com o patrão. E não basta consagrar que no mínimo o trabalhador tem direito a uma retribuição “equivalente” (porque não igual?) à que auferiria em regime presencial.

 Não vale a pena, mais tarde, ficarmos todos (hipocritamente) muito tristes com os resultados cada vez mais débeis da negociação colectiva nem fingirmos que a pretendemos reforçar. A manter-se este ponto, tenhamos ao menos a coragem de o assumir como mais uma machadada na negociação colectiva.

 Resta a esperança que, depois do debate em plenário da AR na passada 4ª feira, os partidos com iniciativas neste campo (praticamente todos) tenham a lucidez e, sobretudo a vontade política, PS inclusive,  para introduzirem as mais do que necessárias alterações e proporcionarem aos trabalhadores/as em teletrabalho as condições de segurança e dignidade de que são merecedores.

 Wanda Guimarães

 

 



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