sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Os sindicalistas socialistas, o Partido Socialista e a UGT


Tem vindo a público, de forma acentuada nos últimos meses, o tema da relação entre os dirigentes sindicais socialistas e o Partido Socialista, realçando-se na oportunidade, pela voz do secretário geral da UGT, o facto de, não obstante os diversos pedidos formulados, não ter sido até hoje, recebido pelo Primeiro Ministro em exercício, o que provocará mau estar na Central Sindical.

Convém, precisando o tema, que o mau estar invocado, começou em momento anterior às últimas eleições legislativas, quando se verificou que as listas apresentadas pelo Partido Socialista não somente arredavam das mesmas um sindicalista até aí presente na Assembleia da República como, nenhum ou nenhuma eram indicados em lugares presumivelmente elegíveis para a AR.

A este propósito, foi enviada em agosto de 2018, ao Secretário Geral do PS e à Vice-Secretária Geral uma carta subscrita por alguns militantes e dirigentes socialistas, onde me incluo, na qual era expressa, de forma acentuada, o nosso desencanto com a opção assumida pelo Partido.

Posteriormente, numa reunião convocada pelo Secretário Geral da Tendência Sindical Socialista, ainda antes do ato eleitoral, foram prestados pelo Partido Socialista através da palavra da então Secretária Geral Adjunta Ana Catarina Mendes e da Secretária para o Trabalho e Economia Social Susana Ramos, os esclarecimentos sobre o tema, e, pensávamos nós, face à forma como se desenrolou a reunião conduzida e concluída pelo Secretário Geral da Tendência, tudo teria ficado resolvido.

Na intervenção que então tive a oportunidade de fazer, realcei, entre outros aspetos, o facto de estarmos perante um problema que somente existia, em virtude da ausência formal no Partido Socialista da obrigatoriedade da participação de elementos sindicalistas nas listas, o que deixa ao critério dos responsáveis de topo do Partido, a inclusão ou não dos citados elementos. Por isso, o que fazia sentido era começar-se a trabalhar no sentido de uma solução que resolvesse de vez a questão, tornando obrigatório aquilo que é facultativo evitando-se, assim,  situações como aquela que estávamos a viver, resultante, alegadamente, de uma má relação entre o Secretário Geral do PS e o Secretário Geral da UGT.

Decorreram as eleições e eis que, o tema vem de novo a lume, suscitado pelo Secretário Geral da UGT e da TSS - Tendência Sindical Socialista,  Carlos Silva, com uma oportunidade que não estará certamente alheia ao facto de se aproximar a fase em que a TSS deverá indicar um candidato a Secretário Geral da UGT com o objetivo de ser eleito no congresso que se realizará no primeiro semestre de 2021.

Esta normal escolha, decorrente não somente do estabelecido no n.º1 do artigo 54º dos estatutos da UGT que limita o mandato do Secretário Geral a dois períodos consecutivos de quatro anos, mas igualmente ao discurso sofrido e reiterado, desde a tomada de posse até aos dias de hoje, de constituir para o Carlos Silva um elevado sacrifício, o facto de ser o Secretário Geral da UGT, parece ter agora um volte face, certamente à procura do estabelecido no n.º 2 do mesmo artigo, que autoriza um novo mandato desde que o Congresso o aprove por uma maioria de 2/3.

No dia 19 de janeiro o Público anuncia: “Carlos Silva alega falta de apoio do PS e anuncia saída da liderança da UGT”, e em desenvolvimento:  “não quero continuar…já está decidido e a UGT sabe disso”  precisando ainda na mesma entrevista: a necessidade de todos fazerem esforços no sentido de preparar uma candidatura “de um camarada” “da tendência sindical socialista da UGT”, que assuma em 2021 o comando da central.

O que é curioso verificar, é que em nenhum momento das sucessivas declarações de Carlos Silva a propósito do eventual mal-estar que o leva a não se recandidatar, ele refere a limitação de mandatos expressa nos estatutos da UGT.

Mas, eis que, afinal, conforme entrevista dada em 5 do corrente à SIC Noticias, haverá ainda uma janela de oportunidade para continuar, se o primeiro-ministro receber a UGT.

Aqui chegados importa perceber como este tema e a forma como foi trazido para a opinião pública tem, em minha opinião, a única virtude de justificar um volte-face do atual secretário geral da UGT, dando por não dito aquilo que, muito antes dos motivos agora invocados, sempre referiu, quanto ao seu limite nos dois mandatos estatutários, nomeadamente pelos sacrifícios pessoais e familiares que representava a sua permanência à frente da UGT.

Tudo o que se tem passado, fragiliza a UGT, dá desta uma imagem de ligações “perigosas” partidárias, que não é, nem pode ser o apanágio da Central Sindical, resumindo de forma caricatural o papel da UGT e do seu Secretário Geral ao facto de ser ou não recebida pelo primeiro-ministro.

A UGT é muito mais que isso.

Se entende que o comportamento do Governo é inibidor do desenvolvimento da sua atividade sindical, possui enquanto Central Sindical, naquilo que é a sua atividade em prol do desenvolvimento do país e dos seus trabalhadores, armas mais poderosas para empunhar do que aquelas que transparecem das palavras do seu Secretário Geral.

Não pode, nem deve, é deixar que uma questão partidária, supostamente iniciada no pleito entre os anteriores candidatos a secretários gerais do PS, possa constituir, para qualquer das partes, o motivo para este estado de coisas.

Os trabalhadores portugueses precisam de uma UGT fora das clivagens internas do PS, precisam da UGT com um Secretário Geral de corpo inteiro, que tenha uma paixão pelo que desempenha  e não um sacrifício permanente, fazendo, por isso, da sua presença à frente da Central um objetivo constante.

Os sindicalistas socialistas precisam de, pelos meios ao seu dispor, criar as regras necessárias, para, se for esse o desiderato, ter no futuro representantes seus nas listas de deputados e, com isso,  regressar à A.R. nas listas do P.S., quem sente, porque trabalha, quais são os verdadeiros problemas dos trabalhadores, procurando assim, naquele local, as melhores soluções.

O Partido Socialista precisa de entender a importância do mundo do trabalho e, com isso, dar o devido valor a quem trabalhando por conta de outrem vivencia a natureza das relações laborais, sentindo na pele, muitas vezes, a iniquidade presente no dia a dia dos trabalhadores, longe dos gabinetes onde os cientistas sociais estudam os números frios das estatísticas, fundamentais para o desenvolvimento das macro políticas, mas insuficientes para responder ao arbítrio diário do quero, posso e  mando como são diariamente confrontados, em muitos locais, os trabalhadores e trabalhadoras deste país.

Para isso é preciso que haja, igualmente no PS,  a humildade de reconhecer o papel fundamental que o movimento sindical desempenha, quer enquanto um dos pilares do sistema democrático, quer enquanto porta voz formal das preocupações e anseios legítimos dos trabalhadores que representa.

Carlos Marques

 

1 comentário:

  1. Estando de acordo com a precisão dos aspectos focados e da excelente elaboração cronológica e pormenorizada do texto do Carlos Marques, não deixa de ser relevante sublinhar que a Tendência Sindical Socialista (TSS), considerada estatutariamente organização autónoma e por isso sediada fora do Partido Socialista, integra a TSS/UGT e a CSS (Corrente Sindical Socialista), que agrupa na CGTP os sindicalistas socialistas.

    Por conseguinte, não existe qualquer cordão ou correia de transmissão entre a organização sindical socialista e o Partido Socialista mas há o legítimo desejo dos sindicalistas socialistas serem reconhecidos de facto e participarem com mais representatividade nos órgãos estatutários e em tudo que diga respeito ao Partido.

    A nível do Estado existem relações formais definidas que relacionam em institutos próprios os parceiros sociais, representantes sindicais e representantes dos empregadores, com os representantes do Estado. São relações que não são unipessoais mas de representação colectiva e como tal assim devem permanecer.

    Não faz qualquer sentido pessoalizar uma relação bilateral e disso fazer um cavalo de batalha na comunicação social. Ninguém ouviu falar ou leu que o SG da CSS faz depender a continuação no cargo de qualquer relação pessoal a nível institucional, não é possível, não é pensável, nem seria reproduzida fora da organização.

    Tudo isto é demasiado preocupante porque atinge a credibilidade de toda a TSS enquanto organização sindical socialista. Não é só a UGT mas todos os sindicalistas socialistas que se revejam ou não nas tendências oficializadas.

    Com sentido de responsabilidade Carlos Marques aponta para a preparação de uma candidatura da TSS/UGT mas, entretanto, poder-se-ão constituir delegações das duas tendências para comunicar discretamente com o Governo, incluindo o Primeiro-Ministro, pois não faltam certamente assuntos comuns para debater.

    Victor Coelho, sindicalista

    PS: Não escrevo ao abrigo do novo Acordo Ortográfico

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