IGUALDADE POR DECRETO
Jornal “Público” – Segunda-feira, 1 de
Outubro
João Cerejeira e
Miguel Portela
É usual a declaração de interesses “ab
initio”. Sou deputada do Partido
Socialista e votante da Moção da Juventude Socialista, no Congresso de 2016. Por
isso mesmo vale a pena comentar este artigo a começar pelo título lembrando o
papel motor imprescindível que a legislação tem desempenhado ao longo dos anos
em tudo aquilo que em termos de igualdade tem sido alcançado. Já agora a
esmagadora maioria das iniciativas legislativas foram da responsabilidade de
governos socialistas, a começar no governo de Mário Soares, em 1979. No entanto,
não queremos a taça. Pretendemos apenas esclarecer alguns pontos do já citado
artigo.
Em primeiro lugar este coloca no mesmo
saco entre os assalariados mais bem pagos em Portugal “as estrelas” do desporto e do espectáculo, e os CEO das grandes
empresas cotadas”. Não me parece acertado. As ditas “estrelas” valem por
elas próprias, pelo seu carisma e o seu indiscutível talento para a função pela
qual são pagas enquanto que os CEO são escolhidos pelos accionistas para
liderar uma equipa, aliás, com os resultados desastrosos que, infelizmente,
vezes demais se verificam. Ou seja, as duas situações são do meu ponto de vista
imorais, mas não se podem comparar. Segundo os autores “… a segunda questão que se coloca quando se discute os elevados
salários dos CEO e gestores é a da razão para as empresas pagarem salários que
são muitas vezes superiores a cem vezes o salário do trabalhador com menor
remuneração”, justificada por “uma
primeira razão assenta no facto de o talento requerido para gerir uma grande
empresa, ou para jogar num clube de topo, ser um bem escasso”. O que pelos
vistos pode ser diferente entre a gestão de uma grande empresa e o talento para
jogar num clube de topo.
Uma segunda nota centra-se na questão
que certeiramente colocam “… caso seja
plenamente aplicado, o limite de remunerações para os gestores irá contribuir
para diminuir a desigualdade de rendimentos em Portugal” e logo dão a
respectiva resposta, “Ou seja, será
difícil antever que a fixação de um salário máximo aos gestores se traduza numa
melhoria salarial dos restantes trabalhadores…”. Ora não se pretende
limitar os salários máximos, mas sim alcançar uma determinada proporcionalidade
entre o salário máximo e o mínimo dentro de uma determinada empresa. Quanto
maior for o salário mais elevado … melhor, mais sobe o salário mais baixo! Precisamos,
por isso, de um período transitório dado que os salários não podem ser
diminuídos, por um lado e, por outro, pela constatação fácil que ao estabelecer
um equilíbrio salarial repentino se poderá pôr em causa a sustentabilidade de
uma determinada empresa. Mas isso não nos deve distrair do objectivo central: a
situação actual constitui, em alguns casos, um atentado à dignidade da
generalidade dos trabalhadores e uma situação verdadeiramente pornográfica.
“Limitar
os salários dentro de cada empresa pode reduzir a desigualdade dentro de cada
empresa, mas não seria tão eficaz na redução da desigualdade salarial entre
trabalhadores de diferentes empresas”. Mas
o que os autores pretendem será nivelar todos os sectores pelo mesmo salário?!
Nem quero acreditar no disparate! Mais … constitui um falso argumento para à
pala de não se resolver tudo … não se resolver nada!
Convém sermos sérios neste debate. Claro que a matéria é complexa e é por isso
que me abstive na iniciativa do Bloco de Esquerda. Do meu ponto de vista o
Bloco quis protagonizar sozinho a iniciativa. Teve o mérito de, na esteira da
iniciativa da Juventude Socialista, trazer o assunto ao debate parlamentar, mas
a sua pressa impediu que se construísse uma iniciativa sólida e um resultado útil
para os trabalhadores e trabalhadoras. Este deve ser sempre o principal
objectivo, qualquer que seja o grupo parlamentar.
Aliás,
em boa verdade entendo que passados dois anos sobre a iniciativa da Juventude
Socialista, não caberá nem ao Parlamento nem tão pouco é matéria do âmbito da
Concertação Social. Caberá ao Governo à semelhança do que
aconteceu, nomeadamente, na promoção da igualdade de género quanto à
percentagem de mulheres nas administrações das empresas cotadas em bolsa,
apresentar uma proposta de lei devidamente fundamentada, cumprindo e concretizando
o sentimento já expresso pelo Primeiro-Ministro António Costa – a actual
situação é intolerável.
Wanda Guimarães
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