terça-feira, 9 de outubro de 2018

Opinião - Igualdade por decreto


IGUALDADE POR DECRETO

Jornal “Público” – Segunda-feira, 1 de Outubro

João Cerejeira e Miguel Portela

 

É usual a declaração de interesses “ab initio”.  Sou deputada do Partido Socialista e votante da Moção da Juventude Socialista, no Congresso de 2016. Por isso mesmo vale a pena comentar este artigo a começar pelo título lembrando o papel motor imprescindível que a legislação tem desempenhado ao longo dos anos em tudo aquilo que em termos de igualdade tem sido alcançado. Já agora a esmagadora maioria das iniciativas legislativas foram da responsabilidade de governos socialistas, a começar no governo de Mário Soares, em 1979. No entanto, não queremos a taça. Pretendemos apenas esclarecer alguns pontos do já citado artigo.

Em primeiro lugar este coloca no mesmo saco entre os assalariados mais bem pagos em Portugal “as estrelas” do desporto e do espectáculo, e os CEO das grandes empresas cotadas”. Não me parece acertado. As ditas “estrelas” valem por elas próprias, pelo seu carisma e o seu indiscutível talento para a função pela qual são pagas enquanto que os CEO são escolhidos pelos accionistas para liderar uma equipa, aliás, com os resultados desastrosos que, infelizmente, vezes demais se verificam. Ou seja, as duas situações são do meu ponto de vista imorais, mas não se podem comparar. Segundo os autores “… a segunda questão que se coloca quando se discute os elevados salários dos CEO e gestores é a da razão para as empresas pagarem salários que são muitas vezes superiores a cem vezes o salário do trabalhador com menor remuneração”, justificada por “uma primeira razão assenta no facto de o talento requerido para gerir uma grande empresa, ou para jogar num clube de topo, ser um bem escasso”. O que pelos vistos pode ser diferente entre a gestão de uma grande empresa e o talento para jogar num clube de topo.

Uma segunda nota centra-se na questão que certeiramente colocam “… caso seja plenamente aplicado, o limite de remunerações para os gestores irá contribuir para diminuir a desigualdade de rendimentos em Portugal” e logo dão a respectiva resposta, “Ou seja, será difícil antever que a fixação de um salário máximo aos gestores se traduza numa melhoria salarial dos restantes trabalhadores…”. Ora não se pretende limitar os salários máximos, mas sim alcançar uma determinada proporcionalidade entre o salário máximo e o mínimo dentro de uma determinada empresa. Quanto maior for o salário mais elevado … melhor, mais sobe o salário mais baixo! Precisamos, por isso, de um período transitório dado que os salários não podem ser diminuídos, por um lado e, por outro, pela constatação fácil que ao estabelecer um equilíbrio salarial repentino se poderá pôr em causa a sustentabilidade de uma determinada empresa. Mas isso não nos deve distrair do objectivo central: a situação actual constitui, em alguns casos, um atentado à dignidade da generalidade dos trabalhadores e uma situação verdadeiramente pornográfica.

“Limitar os salários dentro de cada empresa pode reduzir a desigualdade dentro de cada empresa, mas não seria tão eficaz na redução da desigualdade salarial entre trabalhadores de diferentes empresas”. Mas o que os autores pretendem será nivelar todos os sectores pelo mesmo salário?! Nem quero acreditar no disparate! Mais … constitui um falso argumento para à pala de não se resolver tudo … não se resolver nada!

Convém sermos sérios neste debate.  Claro que a matéria é complexa e é por isso que me abstive na iniciativa do Bloco de Esquerda. Do meu ponto de vista o Bloco quis protagonizar sozinho a iniciativa. Teve o mérito de, na esteira da iniciativa da Juventude Socialista, trazer o assunto ao debate parlamentar, mas a sua pressa impediu que se construísse uma iniciativa sólida e um resultado útil para os trabalhadores e trabalhadoras. Este deve ser sempre o principal objectivo, qualquer que seja o grupo parlamentar.

Aliás, em boa verdade entendo que passados dois anos sobre a iniciativa da Juventude Socialista, não caberá nem ao Parlamento nem tão pouco é matéria do âmbito da Concertação Social. Caberá ao Governo à semelhança do que aconteceu, nomeadamente, na promoção da igualdade de género quanto à percentagem de mulheres nas administrações das empresas cotadas em bolsa, apresentar uma proposta de lei devidamente fundamentada, cumprindo e concretizando o sentimento já expresso pelo Primeiro-Ministro António Costa – a actual situação é intolerável.

 

Wanda Guimarães

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