A diferença entre
rejeitar um Orçamento de Estado (OE) após a sua discussão na especialidade é um
ato de democracia, a rejeição de um OE antes da sua discussão é um favor a quem
a quer derrubar.
Todos temos a
consciência de como as estruturas políticas precisam de se afirmar, de forma a
inverter a opinião negativa que a opinião pública tem das mesmas. E, todos
sabemos como esta opinião acaba por justificar a elevada abstenção que, eleição
a eleição, tem ocorrido. Por isso, o que aconteceu com a recusa de discussão do
OE para 2022, em sede da Assembleia da República (AR), foi a cereja no topo do
bolo na descredibilização do sistema político.
É suposto e, é assim
que constitucionalmente é dado à AR esse papel, que esta seja a casa da
democracia, e que, nessa função, lhe caberia, entre outras, a tarefa de
analisar, discutir, aprovar ou rejeitar, aquilo que constitucionalmente lhe é
submetido.
A rejeição da análise
e discussão do OE proposto pelo governo, a primeira vez que sucede em
democracia, constitui, em minha opinião, a maior ajuda que o sistema político
deu, até hoje, às forças extremistas que pretendem liquidar a democracia.
A desorientação que
grassa entre os partidos, à esquerda e à direita do PS, após a rejeição da
discussão em sede de especialidade do OE é elucidativa de quanto a decisão não
foi devidamente analisada no interior de cada um, entretidos que estão em
lamber as feridas internas resultantes dos seus fracassos eleitorais e disputas
pessoais.
O BE procura na
emergência dos temas laborais, onde não tem qualquer expressão que justifique a
sua posição, pescar nas águas da CGTP os descontentes com a veia parlamentar de
apoio a um governo PS que o PCP assumiu desde 2015.
O PCP envolvido no
debate interno provocado pelos mais descontentes com a sua deriva, pretendeu
suster esse debate e, com isso, tentar parar a hemorragia eleitoral,
agarrando-se unicamente à legislação laboral como desculpa para não se
pronunciar, nem que fosse pela abstenção, a um OE que nas suas linhas
principais ia ao encontro das suas posições.
O PSD, ele próprio a
navegar em águas revoltas com um timoneiro timorato e um candidato demagogo a
timoneiro, anda mais entretido em discutir datas e, por isso, enredado na sua
teia, não percebendo, - e que falta faz um político de valor naquele partido -
que, se porventura tivesse deixado passar o OE para discussão, teria colocado
um problema ao PS, mas teria feito um favor ao país, que certamente iria
retribuir favoravelmente num próximo pleito eleitoral.
Quanto ao CDS,
admitindo que ainda existe, nos dias de hoje, com expressão eleitoral, vamos
certamente assistir, nos próximos episódios à continuação da debandada dos seus
dirigentes, dando razão ao provérbio “quando o navio afunda, os ratos são os
primeiros a pular fora”.
É, pois, favorável o
clima para uma extrema-direita que se afirma sobre os erros da democracia,
cavalgando o descontentamento com o comportamento das instituições da república
que vai grassando, recolhendo no seu barco os ratos que pularam fora e
manipulando, como eles sabem fazer, todos os erros cometidos pelos partidos
históricos.
O papel que o PS tem
na vida democrática portuguesa, ganha assim uma nova dimensão na procura de ser
o partido estabilizador e de referência, o único que neste momento pode servir
de travão ao crescimento de uma extrema-direita e pode, pelas suas políticas,
mas também pelas suas práticas, fazer regressar aos portugueses e portuguesas a
confiança nas instituições políticas. Para isso é fundamental, sem tibiezas nem
tergiversações encarar como um objetivo imediato que o Partido Socialista tenha
nas próximas eleições um resultado eleitoral que permita aplicar na íntegra o
seu programa eleitoral e possa, com esse resultado, assumir com os portugueses
e portuguesas um compromisso de governação duradouro e consequente.
Carlos Marques
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