sábado, 24 de novembro de 2018

Promover a Contratação Coletiva - III


INSTALAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS DE ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA

 
A institucionalização de serviços públicos de arbitragem mediante  oferta de serviços públicos para a sua realização dá cabal cumprimento à norma contida na alínea g) do art.º 199.º da C.R.P., dirigida à competência administrativa do Governo, que manda “Praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades colectivas”.
Observando igualmente o princípio contido no art.º 15.º do Código do Procedimento Administrativo, segundo o qual “O procedimento administrativo é tendencialmente gratuito, na medida em que leis especiais não imponham o pagamento de taxas por despesas, encargos ou outros custos suportados pela Administração”.
No aspeto regulamentar, a aplicação subsidiária do regime geral da arbitragem voluntária ao procedimento de arbitragem voluntária de conflitos coletivos de trabalho remonta ao Dec. Lei n.º 209/92, de 2.10, que através do n. 5 do seu art.º 34.º, dispunha o seguinte: A decisão arbitral será tomada por maioria e obedecerá ao disposto no art.º 23.º da Lei n.º 31/86, de 29 de agosto.” Este art.º 23.º continha, então, os “elementos de decisão” que estipulavam a forma, elementos identificativos e a necessidade de fundamentar a decisão. Em 2003, da remissão para um único artigo, passou-se à subsidiariedade de todo o regime.
Contudo, a atual subsidiariedade daquele regime (hoje a Lei n.º 63/2011, de 14.12) dirige as partes para um procedimento em nada apelativo se atendermos à necessidade de estas procurarem e nomearem um árbitro, aguardarem pela nomeação do árbitro da contraparte e aguardarem que ambos procedam à escolha do terceiro. Além disso, as partes terão a necessidade de estabelecer um regulamento procedimental uma vez que este não se encontra regulado na lei, bem assim como assegurar a necessária logística (instalações condignas, onde os árbitros possam reunir, ouvir as partes e porventura peritos e técnicos quando assim entendam necessário, verificar e apreciar as provas que venham a ser produzidas, etc.) bem como o adequado apoio administrativo, a tudo acrescendo honorários dos árbitros e demais despesas inerentes.
Daí que no mais das vezes e sobretudo no caso das associações sindicais, que por força da dispersão e da baixa taxa de sindicalização se encontram financeiramente exangues, o recurso à arbitragem voluntária no atual molde legislativo constitui mais um obstáculo do que um efetivo apoio à desejável resolução do conflitos e, consequentemente, à promoção da contratação coletiva.
Sucede que à atual subsidiariedade da Lei n.º 63/2011, de 14.12, da qual resultam “arbitragens ad hoc”, é possível contrapor um regime mais eficiente e melhor adequado aos conflitos coletivos de trabalho, mediante regulamentação específica conforme já se encontra previsto no art.º 513.º do Código do Trabalho em relação à arbitragem obrigatória e à arbitragem necessária. Não se compreendendo, aliás, a razão pela qual a arbitragem voluntária não tenha (ainda) merecido do legislador a mesma atenção que tem dispensado àquelas.
Acresce por isso dizer que a institucionalização da arbitragem voluntária de conflitos emergente da celebração ou revisão de convenção coletiva, não se afigura hoje tarefa árdua nem dispendiosa para a administração do trabalho. Com efeito, ela já existe e encontra-se plenamente operativa em relação à arbitragem obrigatória, à arbitragem necessária e à arbitragem sobre serviços mínimos durante a greve, nos precisos termos do Dec. Lei n.º 259/2009, de 25 de setembro.
Não se descortina assim qualquer razão plausível para que a arbitragem voluntária se mantenha excluída daquele diploma, uma vez que a sua inclusão poderia ser concretizada mediante simples acrescento à previsão do art.º 513.º do Código do Trabalho, e da alteração dos art.º 1.º (âmbito), 2.º (composição e validade de listas de árbitros) e 13.º (regras aplicáveis à arbitragem obrigatória ou necessária) do citado Decreto Lei.
Do ponto de vista financeiro da administração do trabalho, os custos ou encargos provenientes da implementação desta medida resumem-se exclusivamente àqueles que nos termos do art.º 23.º do Dec. Lei n.º 259/2009, de 25.09, resultem do acréscimo do número de árbitros a incluir nas respetivas listas.
António Correia
 
Na próxima publicação focaremos a Arbitragem Voluntária no Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas.

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

DEVE O SUBSÍDIO DE DESEMPREGO SER FINANCIADO PELOS TRABALHADORES?


O sistema de segurança social, em termos amplos, visa garantir o bem-estar aos cidadãos atribuindo-lhes um rendimento que permita manter a sua dignidade através do consumo, de modo a que possam satisfazer as suas necessidades.

Dividido em subsistemas, a protecção social dos trabalhadores, ao contrário dos restantes subsistemas, configura um seguro por via do qual as prestações que auferem - quando ocorre uma situação de perda de salário - são a contrapartida proporcional às contribuições previamente pagas com base no respectivo salário e calculadas por métodos matemáticos através do cálculo actuarial que determina, face à frequência das ocorrências, o montante das contribuições para suportar as respectivas prestações.

As garantias proporcionadas pelo seguro social visam, assim, a protecção dos riscos associados a situações dos próprios trabalhadores e que os impossibilite de prestar trabalho e auferir a respectiva remuneração. É assim que se encontra nas garantias do seguro social a doença, a invalidez, a velhice, a morte mas, também, o desemprego involuntário.

Todavia o desemprego não constitui um risco próprio do trabalhador mas resulta, o mais das vezes, das crises económicas, revoluções industriais, catástrofes, circunstâncias que se desenvolvem ao arrepio dos próprios trabalhadores.
Contudo, também nestas situações, os cidadãos carecem do necessário apoio, para que os mesmos mantenham a dignidade que merecem evitando a pobreza e a exclusão social e, em simultâneo, as roturas sociais promovendo, ao invés, a necessária coesão social.

Tratando-se de um risco que não tem na sua génese a pessoa do trabalhador, mas que envolve toda a sociedade na respectiva origem e nas suas consequências, deve o subsídio de desemprego ser financiado pelas contribuições dos trabalhadores?
 A. Santos Luiz
 



 

Promover a Contratação Coletiva - II



SERVIÇOS PÚBLICOS DE ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA

Não será demais recordar que não obstante a previsão legal de três meios de resolução de conflitos coletivos de trabalho no âmbito da negociação coletiva (conciliação, mediação e arbitragem voluntária), o procedimento de conciliação foi durante largo período de tempo, o único a merecer a oferta de serviços públicos – disponibilizados pela administração do trabalho – para a sua realização. 
Com efeito,
Em 1976, o primeiro diploma sobre relações colectivas de trabalho (Dec. Lei n.º 164-A/76, de 28.2) no período democrático, estabelecia, nos artigos 13.º a 16.º, os meios de resolução de conflitos coletivos resultantes da celebração ou revisão de uma convenção colectiva: a conciliação, mediação, arbitragem voluntária e arbitragem obrigatória (esta reservada exclusivamente às empresas públicas ou de capitais públicos, por despacho dos Ministros do Trabalho e da Tutela). Sobre a conciliação, dispunha o n.º 3 do art.º 13.º que “Na falta de processo convencional de conciliação ou de acordo escrito dos interessados, expressamente firmado para o efeito, aquela será efectuada pelos serviços de conciliação do Ministério do Trabalho (…)”.
Por tal modo, facultando às partes de um conflito coletivo de trabalho, a possibilidade de recorrerem a serviços públicos para a realização de procedimentos de conciliação, o Estado deu um dos primeiros passos no sentido da promoção da contratação coletiva, permitindo às partes o acesso simples, expedito e sem encargo financeiro a um meio de resolução do conflitos. Desde então, a conciliação realizada no âmbito dos serviços públicos passou a constituir senão o único, o principal procedimento de resolução de conflitos utilizado pelas partes.
A codificação das leis laborais em 2003 (Código do Trabalho) promoveu o alargamento da oferta de serviços públicos ao procedimento de mediação, estabelecendo no art.º 588.º que A mediação é efectuada, caso seja requerida, pelos serviços competentes do ministério responsável pela área laboral, assessorados, sempre que necessário, pelos serviços competentes do ministério responsável pelo sector de actividade, competindo àqueles a nomeação do mediador.”
Em consequência disso, as partes passaram a recorrer com crescente frequência à mediação, designadamente nas situações em que a conciliação resultasse frustrada.
No entanto, continuou a contar-se pelos dedos de uma só mão as arbitragens voluntárias realizadas, apesar da sua reconhecida importância como último e decisivo meio de resolução de conflitos, capaz de promover a cada vez mais necessária e determinante dinamização da contratação colectiva enquanto instrumento de coesão e desenvolvimento económico e social. Não se pode assim deixar de exigir o prosseguimento da natural evolução legislativa no sentido de completar o ciclo de previsão, regulação e oferta de serviços públicos de procedimentos de resolução de conflitos coletivos de trabalho, instituindo-se agora “serviços públicos de arbitragem voluntária” com vista à resolução de conflitos emergentes de celebração ou revisão de convenções colectivas.
António Correia
 
A próxima publicação tratará da “Instalação dos Serviços Públicos de Arbitragem Voluntária”

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Acordo de Concertação Social II - Período experimental: Maior segurança. Menor precariedade?


Nas propostas de alteração do Código do Trabalho, prevê-se o aumento do período experimental de 90 para 180 dias no caso de contratos sem termo celebrados com trabalhador à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração. Atualmente este período específico é aplicável somente para o exercício de cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham especial qualificação, bem como funções de confiança.
A fundamentação aduzida para esta alteração é incentivar a criação de vínculos permanentes e, concomitantemente por fim à utilização abusiva da contratação a termo como falso período experimental.
Ora, se apesar da bondade da alteração – entenda-se como estes objetivos e pressupostos – não estar em causa, parece que o que poderá estar em causa é a utilização do período experimental como contrato a termo, potenciando situações de precariedade e discriminação, na medida em que qualquer uma das partes pode, a qualquer momento, cessar o vínculo sem necessidade de o fundamentar e sem que o trabalhador tenha direito a compensação e sem quaisquer limitações a novas contratações que vão cessando dentro do período experimental.
Nessa medida, a proposta apresentada poderá estar ferida de inconstitucionalidade, nomeadamente por a duração do período experimental nos contratos de trabalho por tempo indeterminado e o significativo alargamento da duração do período experimental quanto aos trabalhadores indiferenciados, não tem em conta a função, mas sim o tipo de trabalhador.
Afigura-se assim que a medida possa ser restritiva de direitos, liberdades e garantias, pois quanto mais alargado for o período experimental maior a precariedade da relação jurídico-laboral e mais débil a garantia na segurança do emprego. A regra constante do n.º 1 do artigo 53.º da Constituição, sistematicamente inserida no domínio dos «Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores», reconhece aos trabalhadores o direito à «segurança no emprego», dela resultando a garantia da «proibição dos despedimentos sem justa causa».
Ponderando estes postulados, afigura-se que o aumento da duração do período experimental para os trabalhadores à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração (de 90 para 180 dias) suscita dúvidas quanto à sua idoneidade para atingir o fim atribuído ao período experimental (avaliação pelas partes do seu interesse na prossecução do vínculo laboral). Nessa senda, no que respeita às profissões indiferenciadas, privadas de qualquer especialização relevante, não parece evidente que o empregador necessite de 6 meses para avaliar as qualidades profissionais dos seus trabalhadores tendo em vista a celebração de um contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Da ponderação entre o bem jurídico afetado pela restrição (o direito à segurança no emprego e à garantia da proibição do despedimento sem justa causa - artigo 53.º da Constituição) e a autonomia privada das partes e direito de iniciativa privada (n.º 1 do artigo 26.º e n.º 1 do artigo 61.º, ambos da Constituição) não resulta que o alargamento do período experimental seja uma medida de aplaudir. “Independentemente do uso que tenha sido feito em relação à contratação a termo certo, uma maior limitação do seu uso (como forma de recondução do seu regime aos respectivos pressupostos legais e constitucionais) não pode ser legitimamente compensada, por via indireta, com o aumento de outra forma de precariedade laboral, através de um expressivo alargamento do período experimental, em violação do princípio da segurança no emprego constante do n.º 1 do artigo 53.º da Constituição.
Assim, o período experimental dos contratos por termo indeterminado seria convolado em nova forma de contratação a prazo pelo período de seis meses, com a agravante de se tratar de um regime laboral cuja rescisão se encontra desprovida de forma específica, direito a indemnização e justa causa para a sua resolução, constituindo, ainda, um factor de agravamento da precariedade laboral, na medida em que, contrariamente à contratação a prazo, não seria susceptível de renovação”.
Também a consagração de um período experimental nestes termos suscita dúvidas quanto a uma eventual violação do princípio da igualdade, porquanto não se afigura justificado o tratamento diferenciado para estes tipos de trabalhadores, na medida em que o instituto em análise não foi criado para esse feito, mas como já se disse para avaliar a continuidade do contrato.
 
Wanda Guimarães


sábado, 3 de novembro de 2018

Promover a Contratação Coletiva - I


 


A CONSTITUIÇÃO E O ESTADO
 


Não se pode porém perder de vista que o processo de negociação coletiva é um processo tendente à convergência de interesses nem sempre concordantes e que, por isso mesmo, não se encontra isento de obstáculos. O legislador laboral classificou esses obstáculos (discordâncias) negociais como conflitos coletivos de trabalho, relativamente aos quais estabeleceu meios próprios de resolução: a conciliação, mediação e arbitragem voluntária, sendo, os dois primeiros utilizados com regularidade mediante recurso aos serviços de conciliação e mediação disponibilizados pela DGERT – Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho.
Inexiste contudo idêntica disponibilização de serviços públicos em relação ao procedimento de arbitragem voluntária, limitando-se a lei a dispor que a arbitragem voluntária é realizada por três árbitros, sendo dois nomeados, um por cada parte, e o terceiro escolhido por aqueles, remetendo as partes para o regime geral da arbitragem voluntária regulado pela Lei 63/2011, de 14 de dezembro (LAV).
Apesar de se tratar do único meio de resolução de conflitos verdadeiramente eficaz (porque decide o conflito), o certo é que a sua utilização tem sido praticamente nula entre nós. Segundo o «Livro Trabalho Digno em Portugal 2008 – 2018: da Crise à Recuperação» editado pela OIT (pg. 139), nesse período apenas foi registada a realização de um único procedimento de arbitragem voluntária.
Ora,
Considerando a importância e a potencial eficácia da arbitragem voluntária na resolução dos conflitos, não podemos deixar de questionar a razão daquela raríssima utilização. Desde logo, se corresponde à falta de interesse das partes, à ausência de regulamentação específica desse procedimento ou, porventura, à inexistência de serviços públicos de arbitragem voluntária. Admitimos que a resposta corresponderá a um “mix” das razões apontadas, no qual as duas últimas contribuem decisivamente para a primeira. Isto é,
Embora o recurso à arbitragem voluntária implique para as partes a renúncia ao controle do respetivo resultado (contrariamente ao que sucede na conciliação e na mediação), obrigando-se assim a aceitar a decisão arbitral do conflito,  esse aspeto – ainda que importante – não se mostra suficiente para explicar ou justificar a sua quase nula utilização. Revela-se contudo mais plausível a desmotivadora dificuldade que provém da ausência de normas reguladoras daquele procedimento que, claras e precisas, transmitam às partes a necessária segurança e confiabilidade.
À referida ausência acrescem os imprevisíveis custos e encargos financeiros e logísticos decorrentes da instalação e funcionamento de um colégio arbitral, bem como da nomeação e honorários dos árbitros. Custos e encargos que sendo desmotivadores para os empregadores ou suas associações, poderão mesmo ser proibitivos para as associações sindicais. Parece-nos, por tudo isto, que a atual inexistência regulamentação específica e serviços públicos de arbitragem voluntária, constitui a principal razão para que as partes não recorram ao mais eficaz meio de resolução de conflitos: a arbitragem voluntária.
António Correia
 Na próxima publicação será abordada a institucionalização da arbitragem voluntária.

 

 

 
 
 
 

 

Sindicalistas socialistas da CGTP-IN ausentes da Comissão Permanente de Concertação Social pela primeira vez desde 1987

Pela  primeira vez, desde Novembro de 1987 , ano em que a CGTP-IN assumiu os seus lugares na Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS...